sábado, 10 de agosto de 2013

One-shot.

Sentei-me na cadeira em frente ao médico, com minha mãe ao lado. Era a terceira vez que eu voltava ali desde que eu havia sido internada por ter dificuldade em respirar e acabar desmaiando por falta de oxigênio. De certa forma eu já tinha me acostumado com aquela sala: era pequena e branca de mais para o meu gosto. Mas mesmo assim, estar ali me dava náuseas.
- Talissa. - Doutor Finn me chamou - É lamentável ter que te dar essa noticia, mas este é o meu trabalho e é importante que você se lembre que estou aqui para te ajudar.
Balancei a cabeça positivamente enquanto meu estomago se embrulhava e eu sentia as náuseas aumentarem.
- Há três dias você chegou aqui inconsciente. Sua mãe me contou que ultimamente você estava sentindo cansaço e dificuldade para respirar. Você estava muito fraca e com indícios de anemia e também havia ocorrência de sangramentos nasais recentes e dores nas articulações. Os exames só confirmaram o que eu já suspeitava. - eu podia sentir o gosto do acido em minha boca - Você está com câncer. Especificamente leucemia.
Demorei algum tempo para assimilar toda aquela informação. Olhei para a minha mãe, seus olhos estavam vermelhos e eu sabia que ela queria chorar, mas estava tentando ser forte porque por algum motivo os pais fazem isso de se sacrificar pelos filhos em noventa e nove porcento de suas vidas.
- Quais são as chances de cura? - ela perguntou
- São de 65%. - Finn respondeu.
Os dois começaram a conversar sobre o câncer e o tratamento e tudo o que eu fiz foi me levantar e sair correndo dali. E eu corri o mais rápido que pude, até eu me sentir incapacitada de continuar e cair de joelhos no chão frio do hospital. Então tudo ocorreu rápido, vomitei e cai em cima do meu próprio vomito e tudo o que eu pensava antes de apagar era em uma conversa que eu tivera com o Matheus dias antes. "Eu quero morrer dormindo" eu havia falado "Ao lado da pessoa que amo", e naquele momento eu não podia morrer, não daquele jeito, não ali. Eu não podia morrer longe da pessoa que eu amava. Eu não podia morrer longe do Matheus.

Quando acordei já era sexta-feira. Eu estava no hospital, deitada em uma maca dura e sem graça. Não havia mais ninguém ali, então fiquei encarando a pequena televisão que estava ligada em algum canal que eu não fazia ideia de qual era. Quando dei por mim pensava na escola. A última vez que havia estado lá fora segunda-feira e na mesma noite havia desmaiado e vindo para o hospital. Eu queria saber o que estava acontecendo lá na ausência de minha pequena existência.
Minha mãe entrou no quarto e logo veio me abraçar. Ela me explicou como aconteceria o tratamento: eu deveria fazer três quimioterapias e uma transfusão de medula óssea. Ela também me contou que o medico estava confiante e que como meu câncer havia sido diagnosticado mais cedo eu realmente podia ficar curada logo logo.
Quando cheguei em casa fui recebida por minha irmã e meu pai. Eles me abraçaram e então começou aquela conversa de "vai ficar tudo bem, nós estamos com você, você é forte". Pelo visto eu teria que me acostumar com aquilo. Meu cachorro veio correndo e eu o peguei no colo, sentido-me cansada pelo menor esforço. Ele me deu algumas lambidas e eu pedi licença e subi para o meu quarto. A primeira coisa que fiz foi tomar um banho, lavei meu cabelo e fiquei observando a espuma colorida que saia com xampu devido o fato deu ter pintado meu cabelo de azul. Eu nunca havia reparado como aquela espuma era bonita. Talvez o câncer fizesse isso com as pessoas, isso de reparar nos pequenos detalhes, sabe. Ou talvez isso seja apenas um efeito colateral por ter medo da morte.
Depois que me vesti com meu pijama do Snoopy peguei meu notebook e fui deitar em minha cama. Minha mãe havia colocado vários travesseiros e lavado meu edredom, e graças a isso eu me sentia mais confortável e segura, porque eu sempre amei travesseiros e o cheiro que fica na roupa depois de lavada.
Entrei no meu perfil do facebook e havia varias mensagens dos meus amigos: Augustus, Lianna, Nathalie, Jenny, Rebeca e Vivian. Fiz um resumo do que havia ocorrido nesses dias em que eu estive fora e os contei sobre meu câncer. Por algum motivo nenhum deles estava online, então fui ver o que tinha de novo na internet. Foi aí que o Matheus veio falar comigo.

Matheus: Oi, o que foi que você sumiu?
Eu: Estive no hospital por algum tempo.
Matheus: O que aconteceu? Já está melhor?
Eu: Nada com o que se preocupar, e sim, já estou melhor.
Matheus: Ah, ainda bem. Eu preciso de você inteira.

Ficamos jogando conversa fora até que minha mãe gritou que meus amigos estavam subindo. Okay, de onde eles haviam brotado?
Despedi-me de Matheus o mais rápido que pude e deixei de lado meu notebook. Meus amigos invadiram meu quarto, eles haviam trago filmes, chocolate, pipoca e sorvete.
- Minha Tali. - Lianna me abraçou - Você vai ficar bem, você vai ver.
- Você não pode morrer, o que será da gente sem você? - Vivian se deitou ao meu lado, com um sorriso fraco no rosto, então Augustus colocou Percy Jackson e o Ladrão de Raios na minha TV e todos deitaram ao meu lado. Nos esprememos na minha cama, que apesar de ser grande até para uma cama de casal ficava pequena para todos nós.
- Eu amo vocês. - Disse, pouco antes do filme começar.

Na segunda-feira eu fui para a escola como qualquer outro dia, a diferença é que eu sairia quatro horários mais cedo, pois minha primeira quimioterapia havia sido marcada para aquele dia. Assim que cheguei na escola fui falar com Nathan, outro amigo meu.
- Preciso falar contigo. - falei
- Oi para você também. - ele sorriu
- É sério. - e então eu contei toda a história.
- Mas você vai ficar bem, não vai? - ele perguntou, assim que eu terminei de falar
- Não sei, talvez sim, talvez não. Meu médico acredita que a quimo será o suficiente, mas mesmo assim terei que fazer a transfusão de medula óssea. Ele disse que eu ficarei bem e que me verei livre desse câncer em breve.
Nathan me olhou. Ele parecia triste.
- Eu... Eu espero que sim.
- Por favor, não conte a ninguém. - pedi
- Tudo bem. O Matheus já sabe?
- Não... Não conte nada, está bem? - voltei a pedir
- Okay.
Mais tarde eu o vi chorar perto da cantina.

Assisti os dois horários de aula e minha mãe veio me buscar no primeiro intervalo. Antes que eu fosse embora meus amigos me abraçaram e novamente disseram que eu ficaria bem.
- Volte para mim, ok? - Jenny sorriu e eu beijei sua bochecha.
Quando olhei para trás Matheus me encarava. Acenei para ele e ele acenou de volta. Senti meu coração bater forte e duas duvidas vieram em minha cabeça: Porque eu não queria contar a verdade para ele? E se eu o amava mesmo, porque não admitia?
Quando cheguei ao hospital o Doutor Finn me recebeu. Ele me levou até a sala de quimioterapia, onde varias pessoas já faziam o tratamento. Sentei em uma das cadeiras e as enfermeiras me ligaram às maquinas e todo o mais. Enquanto passava por minha primeira seção senti vontade de morrer pela primeira vez.
Assim que tudo aquilo acabou eu peguei meu celular e mandei uma mensagem para o Matheus: "Lembra quando queríamos fugir para a terra média por meio de teletransporte? Devíamos ter feito aquilo enquanto podíamos."
Depois de alguns segundos ele me respondeu: "Não foi você quem disse que temos todo o tempo do mundo?". Quis responder que quem tinha dito aquilo fora Renato Russo, mas eu realmente gostava de citar partes das musicas que eu gostava e Tempo Perdido era uma musica ótima.

Os outros dias se passaram mais ou menos assim: Eu ia para a escola, assistia todas as aulas e ficava com meus amigos. Eu nunca falava pessoalmente com Matheus, apenas o básico e as vezes nem isso, mas sempre nos comunicávamos pelo Facebook ou pelo celular. Fazia três meses que nos conhecíamos e sempre fora assim. Na quarta-feira eu tive outra seção de quimioterapia, mas eu me sentia melhor. Minha ultima seção havia sido marcada para sábado. Eu tinha que pensar positivo porque eu não podia morrer por causa da merda daquele câncer. Eu iria morrer ao lado do Matheus e aquilo eu já havia decidido.

xxxx

Desde que Talissa havia faltado a escola por quatro dias ela havia ficado estranha. Nossas conversas haviam se tornado menos frequente, os amigos dela viviam chorando e ela também havia saído mais cedo da escola algumas vezes. Eu cheguei a perguntar o que estava acontecendo, mas a resposta era sempre a mesma: "Nada com o que se preocupar, apenas exames rotineiros no hospital, sabe?". Apesar de tudo eu sabia que havia algo errado e eu também sentia falta de conversar mais com ela.
Quando chegou sexta-feira a escola liberou os alunos mais cedo. Talissa estava sentada em um dos bancos que ficam em frente a nossa escola. Me aproximei, sorrindo.
- Oi. - eu disse - Você vai embora ou vai ficar por aqui?
- Meu pai disse que viria me buscar as seis e meia, então vou ficar por aqui. - ela sorriu
- Quer ir pro parque comigo? - perguntei - Podemos visitar Westeros. - mostrei o terceiro livro d'As Crônicas de Gelo e Fogo pra Talissa - Se me lembro bem paramos no mesmo capitulo.
- Por mim tudo bem. - ela se levantou, pegando a mochila - E eu tenho sanduíches de frango.
Sorrimos juntos e começamos a caminhar.
O parque ficava perto da escola, em frente a estação de metrô e não chegava a dar cinco minutos andando, mas mesmo assim, quando chegamos Talissa parecia muito cansada.
- Está tudo bem? - perguntei e ela fez que sim com a cabeça.
Sentamos embaixo de uma arvore. Ainda era cinco da tarde, então o sol estava um pouco forte. Peguei o livro e li em voz alta o capitulo do Jon Snow, onde a Ygritte morre.
- Cara, não acredito que a Ygritte morreu. - falei, olhando para o livro, perplexo
- Eu gostava da Ygritte.
Tali pegou os sanduíches e me entregou um. Enquanto comíamos conversávamos sobre a morte de uma das nossas personagens preferidas.
- Quando ela disse "Você não sabe nada, Jon Snow" quase que eu choro. - falei, entre uma mordida e outra
- Sabe, acho que essa é a forma que ela encontrou de dizer que ama o Jon.
- Uma forma muito estranha. - falei e nós rimos.
Ficamos conversando sobre assuntos aleatórios até que o sol se pôs e começamos a observar as estrelas.
- O que você sabe sobre constelações? - ela me perguntou
- Sei que aquelas ali são as três marias. - apontei para uma linha reta com três estrelas - E aquela ali que parecem uma cruz é o cruzeiro do sul. - apontei para as outras - E você, o que sabe?
- Só que eu me sinto insignificante perto de tantas estrelas em tantas constelações.
Depois de algum tempo recebi uma mensagem de minha mãe. "Fui para casa mais cedo, você já pegou o metrô?". Digitei o mais rápido que pude "Estou indo, mãe. Não se preocupe."
- Preciso ir embora.- falei - Acha que seu pai ainda demora?
- Não, ele já deve estar chegando. - Talissa se levantou - Vem, eu te levo no metrô.
- Não precisa, Tali. Eu fico aqui até seu pai chegar.
- Mas sua mãe está te esperando. - Ela sorriu - Vem logo.
Quando chegamos a estação não precisamos esperar muito. Logo o metrô passou.
- Tem certeza que não quer que eu espere? - perguntei, torcendo para que ela pedisse que eu ficasse
- Tenho certeza. - Talissa sorriu - Mande um beijo pra sua mãe.
Abracei ela forte e desejei nunca mais soltá-la.
- Nos vemos segunda? - perguntei e ela confirmou com a cabeça. Entrei no metrô e tudo o que eu desejei foi que segunda chegasse logo.

Quando foi sábado recebi uma mensagem da Talissa. "Todo o tempo do mundo está acabando. Por favor, diga que ainda podemos ir para a terra media." Eu não sabia o que ela queria dizer com "todo o tempo do mundo está acabando", mas coisa boa não podia ser. "Podemos ir quando você quiser, my lady." Respondi, fazendo referencia a um dos animes que assistimos mês passado com o nosso amigo Nathan.

Na segunda-feira acordei mais animado que o normal. Eu finalmente iria vê-la. Vesti uma calça jeans, coloquei a camiseta do uniforme e minha blusa de frio azul por cima. A Talissa amava azul...
Infelizmente acabei chegando na escola atrasado. Havia tido alguns problemas no metrô.
Assisti só o segundo horário de aula, mas nem prestei atenção no que o professor de matemática dizia. Quando o intervalo chegou Talissa estava com seus amigos. Fiquei observando ela se divertir com eles, até que ela começou a tossir e sentou no chão. Pensei em ir ver se ela estava bem, mas Nathan me segurou.
- Olha...
As mãos da Talissa estavam sujas de sangue e ela chorava muito.
- Vai ficar tudo bem, Tali. - Augustus disse, ajudando-a a se levantar.
Ele a levou até a assistência e eu fiquei olhando.
- O que... - tentei perguntar, mas Nathan me encarou
- Ela está com câncer. Eu tinha prometido que não ia te contar, mas como eu poderia?
E então ele saiu andando e eu fiquei sozinho, encarando o nada e vendo como meu mundo havia desmoronado tão rápido. Então tudo começou a fazer sentido. "Só que eu me sinto insignificante perto de tantas estrelas em tantas constelações" ela havia dito, mas na verdade ela se sentia insignificante perante a morte.
Fui até a assistência e pedi para falar com ela.
- Ela está muito doente. - a vice diretora me encarou - Você não pode falar com ela...
- Por favor. - senti meus olhos lagrimejarem - Eu a amo e nunca tive coragem de contar, essa pode ser a minha única chance...
- Tudo bem...
Entrei na sala e encontrei a Talissa deitada em um sofá. Haviam limpado sua mão, mas a camiseta ainda estava suja do sangue.
- Matheus... - ela me olhou
- Sabe, o Jon nunca deveria ter saído daquela gruta, - me ajoelhei ao seu lado - ele deveria ter ficado lá para sempre, junto da Ygritte. E eu nunca deveria ter entrado naquele metrô.
- Eles estão vindo me levar. - acariciei sua bochecha - Desculpe, eu deveria ter te contado... - Uma lagrima escorreu de seus olhos e eu tratei de seca-la. - Eu estou morrendo... O câncer... ele vai me matar.
- Não vai não. - senti meus olhos arderem - Você vai ficar bem, você vai ver.
A vice-diretora colocou a mão no meu ombro e disse:
- Você tem que ir para a sala, Matheus.
Fiz que sim com a cabeça e voltei a olhar para a Thalissa.
- Você ainda vai viver muito... - passei a mão por seus cabelos e ela sorriu de lado
- Você não sabe nada, Matheus Delaor.
- Eu também amo você.
As lagrimas escorrerem por meus olhos e eu me levantei, caminhando para a sala. Olhei para trás por um instante e eles a levavam...

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